Spiegel im spiegel, a lenda da anatomia do espelho.
Estiagem... Entre aquele céu que fora forjado pelo Amauta e a cama de poeira de estrelas que fizera para Açucena, deitou uma nuvem densa e fria de silêncio. Essa nuvem, essa peste fazia do jardim um labirinto rude e agreste.
Os dias passavam, em branco, mostrando uma audácia em não querer ser nada. E foi quando o Amauta, diante do pasmo de não-ser, conheceu a desmemoria, como se estivesse diante de uma parede que em vão espera uma pintura que jamais será feita, sentenciado ao castigo da ausência de viver sem palavras num mundo repleto de mesmices e falta de idéias.
Preso no labirinto que habitava dentro de si, girassóis murchavam, Lua deixava de ser Lua para ser um astro desimportante qualquer pregado no céu que não via mais.
Mas a poesia jamais caduca, Amauta sabe: um silêncio desses não pode ser tão invulnerável, porque nem mesmo o passado é tão irrevogável assim...
Entre um casual desejo e o vazio do esquecimento de não-dizer, viu que não estava aprisionado num labirinto infinito, mas diante de um Espelho, o Clérigo de Vidro, que fazia da serenidade sua espada, exortando do mundo ao redor tudo aquilo que não é.
Tinha o olhar e a voz feitos de uma implacável verdade, como qualquer verdade deve ser, eterna e irredutível.
A única verdade que Amauta trazia dentro de si era Açucena. E foi por causa dela que pode enfrentar aquele colosso do silêncio.
Porque o espelho, na sua língua árida e tão corajosa de dizer verdades, em todo esplendor do seu sacerdócio, dialeto estertor de certezas e asperezas, é apenas um profeta feito de areia e esquecimento. No seu Evangelho sem tempo ou palavras, esquecer é vingar e perdoar.
Mas nunca saberá qual falácia é maior: viver ou morrer.
sexta-feira, 19 de março de 2010
terça-feira, 16 de março de 2010
Teogonia XXIII
Da anatomia de um espelho
Reflete, repete
e repete e reflete.
E faz verso
no inverso
do reverso
do mundo
que suplica.
Duplica, duplica!
A tudo que olha
reverbera. Nasce
outra vez mais
um mundo que gera
do teu olhar sagaz!
Copia, recria
e encarcera
a anatomia
do espaço
que nem liga
de se curvar
ante teu jugo
de fera.
Haveria fuga, limite?
Não! Ninguém
escapará de ti
um dia.
Nem mesmo a agonia
dessa pequena elegia.
Reflete, repete
e repete e reflete.
E faz verso
no inverso
do reverso
do mundo
que suplica.
Duplica, duplica!
A tudo que olha
reverbera. Nasce
outra vez mais
um mundo que gera
do teu olhar sagaz!
Copia, recria
e encarcera
a anatomia
do espaço
que nem liga
de se curvar
ante teu jugo
de fera.
Haveria fuga, limite?
Não! Ninguém
escapará de ti
um dia.
Nem mesmo a agonia
dessa pequena elegia.
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