quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Melissas e Girassóis

Talvez num dia qualquer a cidade atordoada e povoada não pudesse perceber a intimidade dela. Nos dias de turba, a cidade é como uma serpente, engolindo e expelindo gente, que singra, e grita e sua. Gente desapercebida entre si, de tão ensimesmada. Milhares de olhares que se esbarram, mas nunca se tocam.

Mas nem sempre é assim. Esses dias insanos, pasmem, são os dias úteis! E foi desse jeito, num dia não-útil, quando o Amauta aprendeu a arte de semear.

Tinha um olhar de melissa, ou talvez girassol. Do seu olhar de flor, reparou que ela sentia um prazer quase indizível pelas ruas desertas do centro da cidade. Os resquícios de casario exalando aquela certeza serena que mora nos sobrados já descascados, talvez seja a certeza de que a maldade, a mesma maldade que todo dia vejo daqui da janela, pertence somente aos homens.

Por onde o silencio se estendia ela cobria com a ternura. O seu caminhar não é mais pelas calçadas. Anda sobre o esquecimento, faz o antigo ser novo, porque até o tempo quer fazer parte do seu cortejo.

E foi quando o Amauta descobriu que uma Melissa ou um Girassol também pode ser uma Açucena.