terça-feira, 7 de junho de 2011

Liturgia profana e um pequeno prólogo

Aqui estão os versos que fizeram questão de vir morar dentro desta prosa profana, feita de todas as coisas poucas e pequenas desse mundo, de todos os primeiros instantes de manhã e também de todas as outras coisas que eu insistentemente não sei.
Poetinha


Certa vez, um já antigo Amauta notou que por muito tempo semeou angústias. Estava cansado de angustiar por aí afora o mundo profano.

Perseguia formas sem nunca tê-las encontrado, como se assim pudesse abraçar um semideus qualquer. Uma forma assim só poderia caber dentro de um abraço que fosse eterno. E assim foi o Amauta. Ao encontro de uma retórica quase-divina, que faria brotar a infinitude de mundos onde a única impossiblidade é não-ser.

Precisou rir do inverno, deixar-se domar de frio e de sereno. Foi como aprender a destinar os sonhos.

Depois de tanta chuva, desceu daquele céu profundo um sopro de tanta vida, capaz de abrir açucenas e girassóis no jardim do mundo. No meio desse jardim novo avistava um riacho, onde toda amargura de saudades não aplacadas pode ser lavada.

Das luzes desse novo dia desce um arco de loucuras que coroa o Amauta. Desse sonho brota uma flor, feita de mito. Essa flor, Eva primordial, que transfigurava desventura em afeto: Amauta colhe Açucena.

Afinal, convenhamos, uma fonte dessas não poderia brotar do chão, mas senão da boca de uma flor.

Beleza sagrada do profano.

E voz incauta sussurra: são tão sábias essas coisas que nos convidam à vida, não? E nos vêm por meio de sinais tão sutis, como se fossem feitas das mãos pequenas do vento. Mãozinhas que não fazem movimentos; fazem virtudes.

Algumas vezes, Amauta, os donos dessas mãos, esses santos miudinhos, cruzam nossas vidas. Cheirando a sujeira ou biscoito, ou maçã e leite.

Sim, voz incauta. Outro dia mesmo cruzei com uma, risonha e incansável, sem sombra ou incerteza – o impasse adorável da fragilidade e da ternura.

São esses santos profanos que nos abrem os olhos ao incêndio da vida.

E voz incauta vai. "A fonte, o rio, está em ti mesmo, Amauta".

No despertar, pode assim compreender a única realidade que semeara. Que, mesmo ressecada e calada, uma flor suporta mais filosofia do que alguma biblioteca infinita.