sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Estranhezas e retratos

Mais um pouco do "Tratado geral das estranhezas do mundo": noite passada percebi que a estupidez humana reside nos armários de cada um.

Ao longo da vida, adquirimos a capacidade incrível de acumular certa quantidade de sentimentos, outro tanto de opiniões - estas que vão mudando constantemente -, um punhado de lembranças e algumas toneladas de tralhas e quinquilharias. É curioso como somos capazes de dar mais valor a um trocinho de papel do que a uma lembrança. Pior! Os pequenos troços têm força simbólica pavorosa: eles são as lembranças.

Não sei quem foi o primeiro a ensinar isso, mas a moda pegou. Guardamos coisas demais. Bom, eu arrumava o armário, pensando na estupidez humana, em como são latentes, indeléveis, os traços tão marcantes da nossa "origem humilde".

E será que pensar na estupidez é algo estúpido?

No entretanto, achei fotos antigas, larguei aquela porcariada toda de arrumação. Não há nada mais chato que arrumar um armário zorreado. Sentei ali mesmo, no chão, e fiquei revendo as fotos. A maioria delas foram tiradas nos primeiros anos da faculdade de direito. Tempo de experimentar, tempo de aprender a viver. Tempo que vivi.

Em meio a lembranças não mais tão recentes, pego uma foto dela.

Simplesmente deixei as fotos num cantinho, e fiquei só com aquela. Tirada no dia em que achei a velha pentax no armário da casa da vó. Foi o primeiro retrato que tirei com aquela câmera. Só podia ser dela, da Níni, a melhor amiga que a vida me deu.

Foi com ela que aprendi a experimentar, a descobrir. A Níni deu ares de aventura e candor pra uma vida que foi tomando, pouco a pouco, um rumo tão enfadonho. Conviver com ela aqueles anos foi aprender que o vento que sopra de noite tem cor. Cor e asas. Ah, ela, evidentemente, talvez nem saiba disso, me ensinou a voar nessas asas que têm os ventos azuis, que quando só pode caber alegria, é tudo vermelho.

Mas os rumos postos também são contrapostos e hoje a melhor amiga que já tive até hoje mora numa terra no topo do mundo, onde ainda o tempo é meio pedra, meio mito.

Naquele lugar milenar, terra de fogo e gelo, mora a saudade que respiro.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Quando fui teu.

Quis dizer teu nome
no silêncio, no fim da madrugada.

E o diria, mesmo
que nunca viesses,
ainda que nunca
meu som fosse teu.

Disse teu nome
longe de você
ausente de mim.
E aprendi como
fazer a manhã
ausente de aurora.

Mas, ainda assim,
o disse. Disse e sorri,
porque teu nome,
menina minha,
é o sorriso longe
de qualquer dor.

É só uma boca
com a cor
do sol se pôr.

Transgressões

Deixar as janelas escancaradas, na esperança de renovar o ar impregnado, de nada adiantou. O que entrou pelo quarto era um sopro pervertidamente quente, que parecia impedir que qualquer som alheio ao meu pensamento pudesse se propagar.

Agonia na madrugada. De nada serviu infestar-me de música. Nada rompia o silêncio que se abateu sobre mim. Não vinha de fora, vinha de dentro. O ar quente da noite fazia com que ele exalasse aquele cheiro pela casa. Consumia-me no meu próprio silêncio.

Transgredi o silêncio dizendo seus nomes tantas e tantas vezes que o vento foi esfriando, foi ficando mais azul marinho. Dele me vesti. Pude acender círios em suas caudas quando corrompi aquela agonia sem fim.

Teu nome, Açucena, corrompe a agonia que se assoma em mim.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

O tratado geral das estranhezas do mundo

Este tratado é, para ser definido em uma palavra, audaz.

Há audácia até em seu título. Afinal, seria preciso toda uma vida, ou algumas, para que fosse um tratado legítimo.

Aliás, um tratado por si só é fruto da audácia de seu autor em trilhar o caminho mais longo possível.

Até porque o caminho mais curto nem sempre é o mais bonito ou mais divertido. Os caminhos curtos são perigosos; é preciso coragem para trilhar montanha acima, muito mais do que o circundá-la.

Ainda a audácia. Sempre a audácia. Eterna conquista, estranho sentimento quase que alheio à razão, frêmito que inflama o caráter e se espalha por quem estiver perto.

Foi audácia, a mesma audácia, que mostrou ao amauta o jardim das açucenas. É audácia o ímpeto de semear palavras mundo afora para fazer brotar Açucena.

Ser audaz é ato de amor.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

"É isto o homem?"

Outro dia, bem longe daqui, faz já uns meses, enforcaram um ex-chefe de Estado, um genocida. Mas enforcaram o homem, um velho, aspecto doentio e derrotado, num julgamento digno de fazer inveja aos tribunais do “santo” ofício. E fez-se circo da morte.

Nos pés do Himalaia matam pessoas que professam uma filosofia de paz e tolerância, em nome da ordem mantida sob a maior intolerância que existe: a intolerância de ouvir.

Mais perto, bem mais perto agora.

Não sei onde eles foram parar. Há algumas semanas estavam deitados lá, na portaria do prédio.

A degradação era tanta que não estavam apenas deitados. Estavam prostrados. A imundice que lhes cobria o corpo formava um véu que impedia que alguém pudesse ver a humanidade por detrás daqueles trapos.

E eram homens, mulheres, aqueles trapos.

Hoje não estão mais lá. Possivelmente ninguém se lembra deles, a não ser os que se incomodavam um pouco além do suportável e da indiferença.

Sub-homens, quase vermes. Pedem comida, restos, trocados, bazófias. Seus olhares conservam um brilho que nos remete apenas à agonia de quem clama por vida. A própria vida, a humanidade ou alguma coisa qualquer que possa se chamar de dignidade.

E nós displicente e indiferentemente os chamamos de mendigos.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Inexplicações

Primeiro havia o nada. E alguém disse, não sei dizer quem, que o nada não era bom. E fez-se tudo o que há, tantas coisas e tantas gentes, mas as gentes queriam ficar juntas.
Assim, quando as gentes viraram o nós, quisemos medir as distâncias. Sim, afinal, era o que desunia o nós. Sinceramente, acho que para saber com mais certeza o tamanho da nossa saudade.
Algum dia qualquer alguém inventou de medir o mundo. Criou-se o o tempo. E com o tempo, veio o fim. E aquilo que foi feito para medir, começou a devorar o mundo e o tudo.
Quem criou o tempo, criou o juízo final. Marcos que nos aproximam inevitavelmente do fim, do fim que nós mesmos criamos. E o nós virou o nada.
Foi por isso que nunca se semeou o tempo. Não é tempo que faz Açucena brotar.
Nem tristeza, nem silêncio...

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Hora de colher os sonhos maduros

Estiagem no jardim de Açucenas acontece quando seu amauta, seu poetinha, depara-se com tanta coisa, com as cláususlas indecifráveis que fazem a vida parecer um contrato cada vez mais absurdo. Silêncio.
O silêncio é a incongruência maior que pode haver entre Açucena e Poetinha. Silêncio é infame, reacionário, odioso. Mas ele vem, cala a palavra, cala a mão e a caneta. E dolhar que semeia, desolação.
Só posso dizer que entre Poetinha e Açucena existe amor. Mas tão diferente é escrever e falar a palavra amor, outra coisa é dizer amor. Dizer amor é penetrar nos aposentos mais profundos do coração humano, e sem palavra que semeia, fica-se entre a ausência e o desespero.
Onde estarão as palavras? Onde o viver abandona o absurdo e Açucena volta a brotar no nosso jardim planetário, onde colhemos sonhos e armoas?
Semear Açucena com palavra é dizer amor

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Quando morrem as impressões

Olhar
as impressões
do mundo
é sentir.
E só posso
sentir saudade.
Que semeei,
e tem cheiro
e nome
de flor

Impressões para além das persianas da vida

Barulho infernal. É a cidade, bem ali, do outro lado da persiana. Uma mistura descomunal de sons e barulhos. E muita gente, sempre muita gente. E, no entanto, gente que nem parece gente. Parecem, de alguma forma, harmonicamente disformes.

Definir o ser humano para além das persianas é coisa densa, e o mais próximo disso que chego é numa criatura inviável, um amontoado de tensão, carne e desejo reprimido. Tudo parece, assim, tão cruel, frio, perturbador. Tudo que sai de dentro do ermo do olhar choca, espanta.

Para além das persianas, todo o mundo, toda a vida e a não-vida que me aguarda. Por sorte, o mundo para além das persianas não só age e reage. Essas impressões do mundo morrem quando existe a reação, a rebeldia. E o ser mais rebelde de todos, é, sem dúvida, o coração.

Sentir, e não ter impressões. O sentir é quando morrem as impressões do mundo, da vida, das pessoas.

E no meu mundo, no mundo que sinto, as impressões não crescem. Sentir nos ensina a tecer as amizades, os sabores. Ah, as amizades! O que seria de nós, o que seria do mundo, sem amigos?

Quis mesmo dedicar, se pudesse, esse texto a Jean Pierre Vernant, que foi quem um dia escreveu sobre tecer as amizades. Mas só pude mesmo dedicar àqueles que, sabendo, ou talvez nem sabendo, tornaram-se parte mais importante desse mundo que teci.

Viver nesse mundo além das persianas vale por viver junto daqueles que nos dão a mão e são a companhia para os caminhos tortuosos e íngremes, sentir por eles.

É para todos os meus amigos que escrevo hoje. São, todos, meu lar.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

No vale dos pinhões e framboesas

Visconde de Mauá me trouxe o mês de outubro, de forma úmida e fria. Vale onde podemos nos elamear e arranhar pernas e braços ao colher framboesas.
Por entre as tão belas montanhas onde podemos ver os gaviões caçando, insetos de todas as formas e tamanhos, o mês de outubro veio às minhas mãos.
Mesmo cinzento, chuvoso e surpreendentemente frio, outubro na montanha é capaz de espantar o inverno de mim.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

O tempo e a solidão

Certa noite, fim de inverno, sob uma chuvinha birmanesa, fria, eu andava na calçada, na avenida da praia.
Parei no mercado para comprar pão. Ao sair, percebo que havia mais vento ainda. E é sempre divertido ver o comportamento dos nativos na chuva. Apavoram-se, sem saber direito como se portar, e se empacotam em casacos e gorros e cachecóis. É sempre curioso e engraçado, se não temos a pressa que assola o mundo. Saindo do mercado, poucos metros adiante, olho para o lado, numa janela de um apartamento no térreo, de um dentre tantos outros edifícios de pedra fria, fria como o tempo. O que vejo?
Vi uma criaturinha tão miúda, beirando o limiar da vida quase, de tão velhinha. Pequena e simpática, aquela senhora estava parada, de pé, observando o mundo adiante da janela. Esta lhe servia como um véu que separava o mundo de seus olhos. Vi a solidão ali em sua forma. Tinha um leve e apertado sorriso no rosto, quase imperceptível.
Mas caramba! Ele estava lá, eu vi o sorriso!
Não havia pressa alguma no seu olhar. Era como se dele emanasse desapego, um sossego aprendido durante todos os anos que demonstrava ter a doce e pequena senhorinha. Morava ali, como num gigantesco mausoléu, toda a existência, todo o tempo de uma vida, com desejos e sonhos, dores e amarguras.
O mundo, ali, simplesmente, tornou-se a velhinha: inerte. E me fez acreditar então que tudo ao redor se tornara lembranças. As mesmas lembranças de antanho que, como só se fosse possível reavivar naquele sorriso quase-velado, traziam vida, cor, som, aromas, movimentos do que viveu um dia, num dia.
E num dia, um dia, foi-se, e para então não voltar jamais. Restaram para ela somente as lembranças.
Ela era lembranças. E solidão.
Finalmente se move, e percebe que estou lá, perplexo, possivelmente acreditando que se trata de alguma espécie de demente, mas não se importa.
Naquela noite, a solidão olhou pra mim.
E sorriu.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

poema da flor-sincera

Fazes-me tão bem,
sentindo ser do tempo
junco,
quando a ti,
junto,
digo todos os nomes
que te dei.
E depois todos eles se esvairam,
nos breves e inúmeros espaços
em que não estás aqui.
Todos se tornaram,
triste,
tristemente,
saudade.
Menos um!
O nome-amor que te dei,
aquele que resistiu
ante à saudade e a despresença.
Por isso te chamo,
e te clamo,
Açucena!

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Nonsenses

As montanhas existem para que entendamos os abismos. Mas abismo só existe para que a gente se lembre de nunca cair num... Pássaros coloridos existem para que possamos entender samambaias e praias.
Vento é pra nos lembrar de como respirar é bom. Sorrisos nos lembram olhos doces. E olhos doces, ah, estes, só Açucena tem!
E assim segue a vida, sem muito sentido.
A cada dia que passa me perco ao tentar compreender tanta coisa que no fundo não faz sentido algum. De que vale saber tanta coisa se uma montanha explica um abismo, se o som não consegue explicar jamais o poder do silêncio?
Porém nada explica, não nas palavras mortais, minha Açucena, flor sincera de desejo e candor. Não explica, mas é por ela que continuo vendo esses absurdos do mundo, sem perder o incêndio dos olhos, mas sem deixar que se queimem nos incêndios brutos do mundo.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

outra percepção

Açucena precisa de humanidade pra crescer. No concreto ela não brota nunca!

percepções

Inverno com dias de calores irreconciliáveis, que parecem nunca acabar. Por onde anda o frio?
O clima é seco, como as pessoas que vejo.
Mundo cão, de pedra e areia e cimento. E pra onde quer que olho, o concreto. E tudo é tão concreto!
As pessoas, secas porque são rudes e rudes porque são secas, se arrumam e se empacotam em roupas inadequadas ao tempo incansavelmente quente, para adentrar o concreto. E dentro do concreto, um mundo dolorosamente... concreto!.
Indiferentemente ao mundo concreto, mundo ladino de vida. E chego dentro da grande jaula de concreto. Aqui, na beirada da janela, por onde vejo a vida concreta, as pessoas secas, dos corações de concreto.
O que pensam? O que respiram? Não sei! Mas exalam concreto por detrás de seus perfumes caros ou baratos!
Fico me perguntando, enquanto não tomo fôlego e coragem para começar o trabalho, essas atividades para pessoas-concreto, se podem sorrir vendo isso. Ninguém repara que não há nada no céu que não seja azul. Ninguém repara que mesmo na cidade tão escassa de verde, podemos ver por aqui e por ali um sabiá ou um bem-te-vi.
Será que essa louca ali na sala contígua à minha pensa nisso? Não, ela não pensa, ela só fala. Fala e reage. Será que ela é mesmo louca, ou é feliz no seu não-saber?
Não, ninguém é louco por isso. Talvez só eu mesmo seja louco. Só posso ter certeza da minha própria loucura, e é nela e com ela que me faço e sinto vivo.
Sou louco, sim, louco para encontrar dentro do mundo de concreto, das pessoas-concreto, um pouco de vida, um pouco de humanidade. Esses homens e mulheres de concreto só têm uma loucura: serem salvos por um deus, um deus piedoso como as paredes dos prédios de concreto, que eles mesmos criaram! Covardia para fazer pensar suas mentes de concreto
E quem se lembra que é humano numa vida cada vez mais de aço e silício...
e concreto?

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

sutilezas

Existo sem crer
sem pensar.
Existo por sentir
e desejar,
por meio de auspícios,
fragrâncias,
entre minhas alquimias
e sonhos.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

11 de setembro, dies irae

Hoje completa mais um ano de um dos mais nefastos e tristes dias da história do continente americano, episódio que ficará sempre na memória daqueles que cantam a história pelos caminhos.
Foi numa quarta-feira de um 11 de setembro que inimigos liberdade, cruzando os céus com máquinas, arautos da morte, bombardearam e puseram fogo no que representa o grau mais elevado nas criações humanas: a democracia.
Os inimigos da liberdade, tiranos, senhores de sempre, donos do poder, alijando todo um povo de trilhar seu próprio destino, atacaram impiedosamente pessoas que se refugiavam num prédio.
Sim, um prédio só, e não duas torres.
Foi num 11 de setembro, numa quarta-feira, quando, acuados no Palácio de La Moneda, entre eles o primeiro presidente eleito democraticamente na história da América Latina, Salvador Allende, foi acuado e exterminado por tropas com apoio de aviões estadunidenses.
E a voz de um povo inteiro foi calada quando no estádio nacional torturaram e metralharam Victor Jara, que mesmo com os dedos cortados, cantou contra a injustiça.
Um dia, como no jardim das açucenas, esse povo irmão, será dono do próprio destino. Um dia meu povo vai criar nosso próprio tempo, por ancho camino...

sábado, 1 de setembro de 2007

Flores do mal

Ontem vi cravos numa sacada, a miséria humana num vaso de barro. Vi a decadência de uma família, nas paredes mal cuidadas de um hospital público Casa de agonia, casa de dor. Por quantos infernos passamos antes de morrer, antes de voltar para o inferno?
Ontem, pelo caminho, via cravos numa sacada. E como poderia imaginar que seriam o prenúncio de lágrimas, de saudade sem fim, saudade cheia de dor e angústia?
Vi cravos na sacada, e na casa sem sacada, onde as paredes lutavam contra o tempo para não lembrarem demais as paredes do hospital, casa de doença, vi a dignidade morrer, uma família destroçada, por fim, acabar.
Ao ver os cravos na sacada, quis chorar, porque a morte tanto passou ali, no corredor mal cuidado, de aspecto imundo, na minha frente, rindo do tempo, rindo de mim, dos outros, de qualquer um que entrasse naquele lugar de horror.
E hoje, quando toca o telefone, maldito e infame, vejo os cravos na sacada, e outra vez a morte, anunciada.
No jardim da minha Açucena, reino do tempo, reino de mim, não semearei nenhum cravo...

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Porta-Retrato

Tudo começou quando num dia de outono isso saiu num café, num intervalo de aula...

Criei, do caos quotidiano
meu próprio oceano.
Diante da simetria pedante
desse fosco prédio
consegui a façanha
de aniquilar o tédio
com um simples
pensamento não-linear,
nas curvas sinuosas
do teu sorriso.
Mas nas correntezas do oceano
Risivelmente efêmero, esvaiu-se
na mesma não-linear curva
da fumaça de um cigarro,
que nos deixa a visão turva
e afoga o sorriso num escarro!
Levando a obra do pensamento
embora, com o vento,
na imensidão do firmamento.
Senti-me pedido, abatido,
devido à tristeza do momento.
Mas num ato de bravura,
uma atitude nobre e sensata
que eternizei teu sorriso
num filme de nitrato de prata!
E, naquela linear gravura
de papel colorido e brilhante,
trancafiei e eternizei o momento
e o tempo, deixando-o encarcerado
nas fortalezas, não-curvas e lineares
de um simétrico porta-retrato!

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

o amauta

como é difícil semear uma campina intergalática! Fico olhando pra esse quadrado e tentando achar no gulliver o que jogar dentro dele.
Gulliver, gigante de mim... poderia ser nome de mar, de gente, de cachorro ou até de rua. Gigante de nada, de desejo, de carne, de saudade, de som. Gulliver é impasse, quase inviável, se não fosse o Quixote que vive abaixo dele, carreando e passeando em ruelas vermelhas e tortuosas.
impasses em mim, impasses de mim
e nã oé que esse é o começo do jardim das açucenas??

quarta-feira, 4 de julho de 2007

dispersos

Primeiro dia de férias. Curioso, que mesmo depois de tão sonhada data, eu perdi o sono de novo. Acordei antes da hora que gostaria. Não sei o que há comigo. Ontem eu pude sentir e refletir sobre os efeitos dessa insônia; não havia qualquer resquício ou lembrança de bom humor nos meus gestos. Agi horrivelmente, falei horrivelmente, resmunguei como um velho.

Ao fim do dia só faltou eu espumar porque o forno de microondas, maldito, não esquentou a comida direito. Por que eles nunca esquentam a comida como deveriam? As coisas não funcionam como deveriam, e seus donos nunca lêem as porcarias dos manuais. Mas eu li o manual desse forno. De cabo a rabo. E esse puto desse forno não esquenta minha comida direito.

Tudo por preguiça de usar o fogão, ou melhor, de lavar a panela depois.

Primeiro dia de férias e eu já de saco cheio do dia. São sete da manhã, e eu não queria estar aqui. Talvez na montanha, longe do computador ou do celular, esse infame comedor de dinheiro. Pago uma fortuna não pra comer, nem pra beber. Pago pra falar, apenas falar, e a mais grossa fatia disso é pura besteira. O celular é outro aparelho que ninguém sabe usar direito. É algo que querem que funcione como câmera fotográfica, computador, mapa, aparelho de som, rádio. Também é telefone. Não importa! Quanto mais colorido e mais músicas estranhas tocar, melhor. Ao gosto e bel prazer do consumidor.

As pessoas pagam, e pagam caro, para terem cada vez mais coisas que nunca antes lhe foram úteis e que não saberão como usá-las direito. Usar o que compram não é o fundamental. No admirável nada novo mundo feito de polietileno e fibra de carbono o consumo não é mais um caminho, um meio para algum fim. Consumir virou fim em si mesmo.

Malditas futilidades!

Por que eu deixo a televisão ligada? Agora falam do presidente mais antidemocrático da história da humanidade. Um tirano latino-americano chamado Hugo. Dizem que ele tem não a maioria, mais a totalidade dos votos nas Casas legislativas. Curioso: ninguém menciona que foi a oposição, direitista por excelência, golpista e arrogante por hábito histórico, quem simplesmente boicotou o processo eleitoral e não foi ninguém deles para a disputa democrática. Mas é a televisão, algo que deveria lembrar democracia, só lembra pão e circo. Muito circo e nenhum pão. O pão tem que pagar para anunciar nos intervalos do circo. Super democrático. Formam, não informam, e foram mal. Super democrático demais.

E quem um dia vai expressar a minha opinião, ou a sua ou a do seu vizinho? Algumas vezes eu comungava com algumas revistas, de bem menor tiragem que as dos donos das televisões, os “donos do poder”. Não sei se hoje eu consigo. Sinto-me pior do que estava ontem por pensar que desisti.

Curioso é que quem escreveu “os donos do poder” era um deles. Mas os maiores críticos dessas coisas são os que fazem uso dela. Menos os críticos de arte!

Fico esperando o “seu’ Oswaldo, o senhor que aluga a garagem. Ele sempre passa cedo demais. Todas as vezes que ligo, ele me pergunta que horas ele deve passar aqui, eu falo alguma hora e ele responde: “então ta bem, às oito e meia eu passo aí”. Só posso rir. Daqui a pouco ele passa. Sempre pontual.

Hoje, bem cedo, tinha um gato miando na janela. Ele veio antes do “seu” Oswaldo. Sorte a minha.