quinta-feira, 13 de julho de 2017

Teofanias cotidianas

Olha só, vou te dizer o quanto isso é sério. 

Melhor, direi o que não quero que isso aqui seja: isso não é, de maneira alguma, poesia. O fato é que não suporto escrever poesia; não sou, nem pretendo ser, nenhum tipo de “antena da raça”. Isso não é uma elegia; não consigo elaborar grandes conceitos nem metáforas.

Li hoje que num país da Ásia Central um rapaz de 27 anos chamado Azatov foi preso, acusado de incitar atividades terroristas. Lá naquele país tem uma lista com várias religiões que são proibidas. Se você acredita numa delas e quer que alguém mais o faça, saiba que dá uma cadeia danada. Não faz o menor sentido ser crime acreditar diferente...

Ainda sobre acreditar diferente, outro dia desses recebi num e-mail um convite, que já não me lembro se era um lançamento de livro, um seminário, uma celebração, sobre os quinhentos anos da Reforma Protestante. Meio milênio! A gente estuda isso no colégio, na faculdade; parece que é apenas um ou outro capítulo de um evento da história do ocidente. E essa era só mais uma obra sobre o tema: que poderíamos falar por horas e horas a fio, e escrever milhares de páginas sobre uma das suas milhares de suas explicações e interpretações possíveis.

O que tenho aqui é diferente. É um punhado de coisas que não conseguem ser ditas nem emolduradas em folhas de papel, mas é de encher o peito, de inflamar o caráter.

Sabe daquelas coisas que te inundam? Pois é... Agora veja bem o quanto isso é sério! Inunda, de transbordar e de escorrer pelos dedos, e é aquele malabarismo com a língua que fazemos para não desperdiçar nem uma gota que seja. Delicado, erótico e perturbador, de encher o peito. Isso é sagrado! Agora diz pra mim se isso não é sério!?

Hoje no metrô vi uma menininha no colo da mãe, pelo reflexo do vidro da porta. Ela segurava o vestido, visivelmente novo, pela ponta, e sorria. O que aquelas mãozinhas seguravam era algo mais sagrado que um sudário, era radiante! Ela me viu na imagem refletida, sorrindo, e sorriu de volta.

No irreal daquele espelho que se fazia no vidro talvez eu pudesse dizer o quanto ela sim estava linda e que eu queria muito ter uma filha igualzinha a ela.

Veja bem o quanto isso é importante! Quando mesmo tudo parece não fazer o menor sentido, num mundo ao redor que me desentende a todo tempo, onde tudo parece ser feito para arruinar esperanças, um momento desses é muito mais que um alento.

Esses instantes todos são feitos de muitas eternidades, como uma criança que ainda vai nascer, e que a gente sabe que ela terá nome de flor.

Isso é muito, muito sério.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

A casa

A casa não é somente um lugar de dormir e comer; é onde o nosso mundo tem sentido. 

O lugar que ordena os objetos do nosso espírito, que corresponde às amplitudes da nossa própria alma, para além dos embaraços e constrangimentos de acasos do tempo.

Porque ali fico despojado de tudo que as condições do tempo e da história fizeram em mim. Livre do agora, do aqui, do instante. Porque é luminoso e intenso e cheio de história, como uma ponte gasta no encontro de dois rios.

E me dá uma vontade imensa de beijar todas as suas ousadias do restante da vida. Porque mesmo longe da montanha, a casa me faz sentir acompanhado como nunca.

A casa é o instante que aprendemos a ocupar nosso lugar na esperança, ou no mundo das nostalgias do futuro... 

Disseram uma vez que é preciso morrer para ser pai de um poema. Não concordo; juro que o fundamental é simplesmente aprender a chegar em casa.


segunda-feira, 22 de maio de 2017

Quando uma professora te deseja uma montanha

Nossas noites hoje já não são um punhado de estrelas na trama escura do céu. E não se engane: se a lua for sua mãe, ela não será feita de ternura como Maria. 

O mundo nunca foi nem será um lugar tranquilo, não se engane: sempre há o peso de juízos, de perigos e princípios.

Entretanto bastou olhar para uma montanha para entender dos abismos tangenciando meus infinitos: erguendo outros milagres, outro céu, aprendendo a andar num “labirinto móvel”, por entre aquilo que cega, e que equivocadamente depositamos sonhos e esperanças.

Esse olhar não precisa ser de ouro ou de prata; que seja de vida. Que olhe para um futuro e não para um velho mundo de alicerces caducos e já abalados. Um olhar deve ser uma conjuração contra maus caminhos e fantasmas.

Os olhos como “artesãos lúcidos” e sinceros das nossas próprias revelações.

Essa é a lucidez do milagre de olhar para as montanhas – e eu só precisei de uma! – você não sente vertigem, sente sagrado.


No mistério e na ousadia da montanha é onde meu mundo faz sentido.