quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Teogonia XXI

Cantilena de Natal

Foi no saturnal dezembro, quando o sol não era apenas irreconciliável, mas se fazia inclemente. Sem qualquer triunfo de pássaros ou de nuvens. Não, só o titã azul e invencível. O céu poderia ter, dentre tantos significados, algum tão cruel assim?

Era preciso um abrigo para escapar da sanha do céu. Esse lugar só poderia habitar o longe querido, porque é no longe querido que moram todas as saudades que existem.

Esse abrigo precisava de um lugar bonito, como o cimo de um outeiro: onde de lá do alto se vê o vento que beija o gramado das montanhas, e lá atrás a estrada, por onde passa o tempo inaudível.

E também de lá de cima veria algum deus menino, indolente e peregrino, poderoso como quem tem a pretensão de dar cambalhotas para poder engendrar uma gargalhada.

No forjar do seu oratório, poetinha não fez caber qualquer santidade. Porque o seu oratório fora feito para a fé que mora dentro de um olhar castanho e bem desenhado.

A fé saturnal do poetinha foi que todos aqueles que tivessem um longe querido pra saudade morar pudessem ter o mesmo oratório, o mesmo olhar castanho tão vivo como um menino brincando de cosmonauta no costado mais macio do outeiro.

Poetinha sentiu que isso era bom, e que essa fé ainda será, dentre todas, a sua melhor invenção.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Teogonia XX

Das pretensões que a vida engendra

Nunca se soube de pretensões maiores do que a chuva, ou um inseto qualquer. Amauta só foi conhecer o que era uma pretensão quando ela passou.

Aquilo só seria senão o amanhecer de um mundo novo. E nem se importou quando fora desdenhado pelas carícias que brotam do chão por onde ela passou. É nisso que se detém. Nisso e nada mais.

A ausência de comédia nas tragédias da vida e do mundo não lhe causava mais assombro. Tudo passava a ser tão... tão desimportante.

E lágrimas e submissões e homens autômatos não assombravam mais do que uma folha desbotada ou um grão qualquer que compõe uma rocha qualquer. Todo o mais teria apenas o mesmo ar austero e escuro como chumbo, sem a pretensão do morno dos seus passos.

Feito um largo adágio de um novo mundo quando ela passou. O mundo era isso, apenas isso e não outra coisa mais.

Amauta tinha Certeza que sem aqueles pés as cores abandonariam as flores, que o resto do mundo seria preto, branco e cinza, sem muita graça. Tudo por causa da moça que passa.

Essa pretensão tamanha, filha do acaso e da audácia, foi simplesmente resistir a tudo. Tudo menos à moça que passa.

E perceber a condição sem igual de se estar apaixonado deveras, ao ponto de querer que até mesmo o chão pertença àquilo que cabe no “seu e no meu”.

Porque Amauta sabe que foi ali que se aniquilou todo o grotesco do mundo. Foi quando ela passou.

Só que foi preciso ela passar para Amauta ver e sentir que o mundo era absurdamente melhor quando ela ainda estava por lá.