quarta-feira, 23 de julho de 2008

Tormento do infinito

Quinta parte da teogonia: o Amauta semeou manhã da angústia e da saudade.

Talvez ela nem saiba quem sou, ou nem me perceba. Mas sei que ela está ali, quando chego. Sei porque não há mais ninguém que meus olhos procurem.

Pode ser que ela não saiba meu nome. Também não sei o dela. Não importa. À menina do olhar ensimesmado dei o nome que seus olhos me dizem: Nunca Me Esqueças. E, talvez, isso ela também não perceba, ou não conceba, assim como não encontro explicação para a existência desse candor, que brota, sem cessar. Mas eu sei que ele existe. Existe porque o coração não me cabe no peito quando a vejo.

E será que isso ela vê?

Mas talvez ela tenha notado, talvez, a maneira que fico tentando esconder em vão as mãos, frêmitas.

Não sei o que ela faz agora, nem onde está. Estará dormindo? Sonhando? A noite está tão fria... Estará ela só? Ou será que acordada, lendo, pensando? E que palavras suportariam seu olhar? Eu, amauta, não suportei. Tentei, e por causa disso até hoje sofro de disfunção lírica.

Será insano escrever para ela? Não consigo escrever seu olhar, nem semeando palavras pelo azul marinho da madrugada.

Penso nela, e meu olhar se torna incapaz de esconder o que sinto. Talvez disso ela não saiba, mas ah! Se soubesse... Procuro. Ela não está aqui, e o vazio então se assoma em mim.

A noite é fria e altaneira. Como anseio a manhã! Faço a aurora, respirando saudades. Talvez ela sinta a manhã que fiz para ela, de um sorriso ainda sonolento, entre a alvorada e a saudade.

E a manhã então foi dela, quando fui audaz para tecer uma aurora para ela, apenas com palavras dispersas, neste frágil pedaço de papel.

terça-feira, 8 de julho de 2008

L'amor che move il sole e l'altre stelle.

As linhas ainda estão levemente desenhadas no lençol, que secretamente foram guardadas em algum jardim da saudade.

É impossível deitar-se ali novamente. Apenas ficar nos cantos da cama, pensando se tudo não passou de sonho, até que percebo teu cheiro, que ainda dorme no canto direito do travesseiro, o mesmo cheiro que passou a viver no meu canto esquerdo.

Será por isso ter tantas coisas jogadas no oceano branco, tentando em vão povoá-lo? De que importa usar tantas palavras, para expressar uma mesma idéia que não se pode dizer nunca, em palavras mortais. Palavras também morrem?

Ainda assim o Amauta, senhor das forjas intergaláticas, sabe bem o que move o sol, as estrelas... e o céu.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Teogonia IV

Surge a chuva.

Não foi o Amauta quem criou a chuva. Há que ser audaz, mas nunca ao ponto de macular o azul do céu que ele forjou. Ainda sim, distante do seu dom de semear, a chuva se fez, de forma silenciosa e repentina.

"Quem pintou meu céu de cinza?", foi o cânone que embalou seu pranto durante a noite, junto com a lembrança do cheiro do seu céu, que insistentemente rodeava sua saudade.

A chuva é terrível, faz o frio, faz a dor, faz a saudade doer mais. "Quem pintou meu céu de cinza?", engole duro e seco enquanto olha para um trocinho de lã que ainda guarda o cheiro do seu céu.

Foi assim que o Amauta conheceu a chuva em seu jardim. Pode chover no seu céu, sem que ele impeça, mas ele sabe, até ele, que não vai chover para sempre.