quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Pilvede ja padjapüüride kohal

Ela sabia tocar na face
das manhãs e do vento.
Dali brotavam sons,
tão frágeis como girassóis.

Por causa dela,
ele carregou um rio inteiro nas costas
morro acima, morro abaixo.
(Ele sabia que toda uma vida
se veste de rios).

Decidiu que melhor seria
deixa o rio de si
com aquelas mãos,
que forjavam sons e paz,
que só por isso
exalam cheiro de chá.

O rio seguiu seu curso,
atrás das suas donas mãos
que não soltou mais.

No lugar das mãos,
agora o silêncio que se faz
num canto onde as cordas
de se falar com a manhã
dormem, apreensivas.

Em suas costas não há mais um rio,
mas o peso inclemente da distância,
das mãos ausentes.

Saudade agora tem cor de girassol
e cheiro de chá.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Para além das apropriações do tempo

Negação dos reflexos careceu de alguma maior explicação.

Foi esse o sentido da luta pela ausência dos reflexos, a luta contra e para mais além da compreensão imediata das formas.

Tudo na busca do Eu Primordial. Quem mais, além dele, precisa de existência na aparência?

Porque fora das compreensões imediatas da forma, há um mundo essencialmente potencial, feito de criação. De paixão, de pura vontade.

E não há outro sentido que uma existência possa ter. Paixão, em toda sua plenitude, resgatando a fúria cantada pela Musa.

Será que não compreenderão que o desejo de existir foge ao plano do sensível? As apropriações de espaço, de formas, só terão sentido para cada intimidade, e nada além disso.

As intimidades só tem razão de ser porque nada escapa à vontade, à paixão. Nem Açucena, nem Amauta, nem os mais belos girassóis.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Teogonia XII

Da origem do sentido dos reflexos

Fiquei dias sem me ver no espelho. Não pensem vocês, ao lerem, que foi uma tentativa de fuga. Não, não foi. Longe disso.

Queria compreender como seria a ausência do reflexo, daquilo que nos vemos e tomamos como a nossa realidade. Que falta faria o "eu primordial". Como seria estar, de fato, ausente de mim?

E pensava naquilo que nos dizem, que é o fim de tudo quando não nos reconhecemos mais diante do espelho. Será? E os cegos, como fazem?

Pois bem, dias sem me levantar e olhar dentro dos meus olhos. Que estranho soa. Evidentemente que, nesse tempo, houve situações em que, passando diante de alguma vitrine, alguma porta, via meu reflexo, mas em nenhum momento me chamou a atenção. Não me detive.

Depois de quase uma semana, olhei novamente no espelho. Será que me reencontraria? Veria outros de mim que ainda não conheço pelo nome?

O que vi? Novamente o "eu primordial". Novamente, o mesmo reflexo cotidiano e conhecido.

E foi quando voz incauta ressoou pelo jardim novamente.

Vês, meu caro? As aparências, o mundo sensível, se faz um dominador. Não és mais nada além daquilo que vês? Num espelho não haverão outros de nós. Espelhos não são diferentes do mundo ao redor, e somos só algo que reflete, tal como uma planta, um quadro. Nada além de um único e mesmo sentido...

e, poetinha, não haver mais reflexo nada significa. O que é um reflexo, além daquela mesma e enfadonha realidade à qual pertencemos. Algo que nem cabe definir; já estando tão e tantas vezes dito, pronto, emoldurado.

E voz incauta se calou, novamente. Sorri, por não ter sentido nem um pouco de saudade de mim! Seria uma infâmia sentir saudade de um reflexo! Além disso, como sentir falta de um, em meio a tantos outros de nós?

Não ter um reflexo não significou ausência de mim.

Um reflexo é apenas o sentido oposto da real ausência que se faz na vida de um Amauta. É não sonhar.

Porque o "eu onírico" não é o "eu primordial", mas é o mais essencial. O meu reflexo só pode fazer falta quando deixou de estar no olhar dela.

E há ausência, há saudade, quando não florescem mais Açucena. Nem girassóis.