quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Do retorno ao castelo que era meu

Olhava para a fumaça que saía da caneca, que lentamente subia, minguava e sumia no ar.

A cada gole sentia a garganta amargar. Não bebia com açúcar; café tem que ser forte como o desejo, escuro como a noite e puro como o amor, lembrava do velho libanês. O amargo cura, como um tapa na cara.

Nada mais sincero que um tapa, pensou. 

Era tão impossível assim que ela voltasse? Sim, até há pouco era, até ela aparecer. Os olhos de prata... 

Naquele dia chovia tanto, aquela chuva copiosa e birmanesa que ele gostava tanto. E ela o procurou, com aqueles mesmos olhos de prata que com tanta dor há anos atrás pediram que ficasse.

E pensar que aqueles mesmos olhos de prata, ali, fixados nele, há pouco tempo pareciam um horizonte intocável e distante, fugindo de seus dedos como a noite foge da manhã. Culpa minha, pensava. Como pude ser tão estúpido? 

Ali, parado, olhando para ela, sem saber se sorria ou chorava, se gritava ou corria pela noite chuvosa, a boca era um chocalho de palavras torturadas pelo silêncio. O que eu digo? Será que ela sabe o que foi não a ter por perto esse tempo todo?

Regressou, não teve jeito. Não pode resistir ao chamado daqueles olhos de prata, do olhar que era seu, que era desde anos antes tão magnífico como um castelo. Esse castelo é meu!.

Já se passou um mês desde seu retorno, mas os dias se vestem de eras, e tudo parece adoravelmente comum e cotidiano, como o dormir e o despertar.

Parece que o Tempo se arrependeu de ter virado as costas para eles, como se agora tivessem entrado num mesmo rio e nunca mais saído de dentro dele. 

Quem é capaz de fazer o tempo voltar atrás e mudar o que ficou no passado? Porque a fé e o sonho ficaram perdidos naquela outra despedida, tristes e calados. E não cabia dentro dele o imenso que era entrar de novo naquele castelo, ser de novo daqueles olhos de prata. 

Ela sabe que me fez reinventar a fé e o sonho? Tratou logo de entalhar mantra,  segredo, promessa, jura, prece, ou qualquer nome que queiram dar, não importa. Aquele é só dela, e agora ela sabe!

Esse castelo é meu! Sorriu, e foi dormir, com medo daqueles anos de vazio, vasto como um deserto. 

Porque é muito fácil pra qualquer um se apaixonar quebrando rotinas, surpreender, ir e fazer o extraordinário. Quando isso acontece, nascem paixões, nasce o furor, aquela sanha que lambe tudo e chacoalha os juízos. Mas aí vem a segunda-feira, e tudo se esvazia. 

Talvez o extraordinário não seja tão extraordinário assim...

O medo diminui. Ele se pergunta o que pode transcender esse furor, a fugacidade do incomum? O que é capaz de tolerar o cotidiano, de compartilhar um espaço onde só caberia um, de transitar na cozinha, de trabalhar na mesma mesa, até no desejo de querer ajudar a corrigir a parte chata de metodologia de um projeto. Qualquer um pode fazer o extraordinário... mas só quem olha com olhos de prata faz da rotina essa coisa indizível que às vezes acho que consigo dizer.

Agora o sonho não tem medo, nem trauma. Porque o castelo tem dono, e ele é meu!