segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Em busca do Castelo de Mirra II

E viver é corromper-se ou perder a ingenuidade?

Uma lembrança impossível, de um passado breve, ainda opaco, vagamente triste. Hoje Soslaio era noite e era nada. Ainda ontem seria esquecimento, e ocaso, como se não houvesse em mim nada que não fosse um sigilo eterno de estátua.

Pra que viver algo que não seja próximo à vida e morrer sem conhecer nada magnífico ou infindável?

É preciso mais do que simples lembranças.

Soslaio tinha que encontrar alguma memória fantástica, maior que o absoluto, que o tempo, que o pecado... arrastar ventos pelas noites afora até sentir os primeiros toques de delicados dedos da Manhã, já maquinando algum tipo de maravilha ou imaginância.

Ainda não achava isso. Diante do espelho, parecia ver senão um labirinto eterno de vidro e solidão. Não via reflexo do passado, as coisas boas que fez ou sentiu. Não! O que reflete ali não é mais nada senão um impasse de vigília, de carne e paixão.

Mas deteve-se, insistente, E viu surgir um punhado de lembranças futuras. A irrevogável e inevitável memória do porvir, mais pesada que a realidade, tão curta quanto o passado.

Memórias do anseio de um não-saber! E que nos arrastam num formidável rio já forjado há tantos e tantos anos. Nesse lugar-rio as palavras engendram o fabuloso e o profético.

Soslaio concebeu ali a condição de eterno das memórias, capaz de enternecer as fábulas e profecias. Era o reflexo de seu destino: estar entre o trivial e o sagrado.

E viu que a lembrança é o não-morrer. O sagrado que foi morar em Soslaio é eterno; não poderia morrer inteiramente. Suas memórias tão vastas como um continente, imagens sem fim, que envergonham ao esquecimento.

Lembrar... como ler um escrito já pressentido, já repleto de infinito. Soslaio lembrou e escreveu, de forma insistente e delicada. E daquelas enfermidades da sombra da memória erigiu uma espécie indecifrável e encantadora de Deus. E sua lembrança mais terna e mais eterna tinha sempre o mesmo nome:

Nunca Me Esqueças

E viverá de agora em diante assim, numa senda futura já percorrida.

Esquecer é o pior dos pecados, a forma mais infame de matar alguém. É a sombra da memória, sem tristezas, sem lamentos. Apenas o fim, rude e seco.

O milagre da memória causa assombro. Até à morte.