quinta-feira, 30 de julho de 2009

Teogonia XVI

De quando nasceu a certeza.

Por muito tempo poetinha foi incansável no estudo das caligrafias do mundo. Porque foi semeando e semeando que pode compreender suas formas, cores, aromas.

E assim percebeu que a vida não era nada muito diferente do que escrever incessantemente um poema, que nunca teria um fim. A última coisa que um poeta aprende, então, é morrer?

De tempos para cá, por conta disso, poetinha ficava cada vez mais calado e amuado. Como posso deixar um jardim de girassóis e Açucena se nada fica, se nada é, mas apenas tudo está e a todo instante não está mais? Ele viu, triste, tristemente, que desse jeito nada seria certo.

Poetinha então se isolou, por dias e dias, e percorreu os caminhos do seu jardim, pelas ruas cheias de gente e prédios e casas e carros. O mundo que passava diante de seus olhos e suas palavras. E como será que esse mundo poderia apenas estar e estar e estar, sem nunca ser.

E tudo na vida e no mundo seria e não seria, então, como um velho rio?

Desses paradoxos que fazem a vida que um dia poetinha encontra um por seus caminhos. Aliás, de todos eles, maior não poderia ter sido criado. Porque, se nada nunca pode ser, como terá existido, um dia, alguma certeza?

Foi poetinha, num dia de inverno, quem presenciou seu nascimento. Foram precisos cerca de 13 dias para ver brotar a Certeza Primordial. Por que estando certo do que sentia, aí sim seria possível escrever, semear, criar, e assim amar.

Foi preciso encontrar Certeza para então semear seu jardim para Açucena. Porque foi Certeza que o fez encontrar novamente a vida perdida na vida. Certeza o fez andar contra a morte.

Nesse punhado de dias onde brotou Certeza, poetinha entendeu que pode mesmo existir ato mais nobre que o ato de amar.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Da estranha forma de como o cantador de histórias se enamorou pela capitã do mato.

Há muitos e muitos anos, num tempo aonde as moças iam de luva para as missas e os homens puxavam a cadeira e se levantavam em respeito às suas mulheres. Um tempo quando palavra e alma moravam ainda na mesma tapera, lá pelos lados das Gerais.

Contam os antigos daquelas bandas que certa vez, num inverno que fazia das noites mais negras que a semente do guaraná, apareceu pelas terras um cantador. 

Ninguém sabia ao certo de onde vinha. Uns diziam ser um cigano. As carolas juravam que era um cristão novo. Outros juravam que poderia ser um turco ou libanês, ou qualquer outro ismaelita que tentava conviver entre os verdadeiros filhos de Cristo. Os menos fervorosos diziam que ele podia ser profeta, ou simplesmente um louco. 

Aquele cantador tinha um dom. Que o digam as moças dos vilarejos das redondezas. 

Não era como aqueles menestréis britânicos ou aqueles bardos franceses que cantavam odes às más damas que os domavam. Nem cantava glórias de um povo qualquer, ou de algum rei ou imperador. Mas ele sabia cantar e encantar o mundo ao redor.

Suas feições, distintas do povo do lugar, se juntavam à sua voz, que ninguém sabia dizer se era de menino ou de homem. Nem mesmo cantava lá tão bem. Aprendera a escolher e cuidar muito bem de cada palavra do seu canto, e vez ou outra acompanhava com algum instrumento de sopro ou de corda.

Cantava aquilo que mesmo aqueles pacatos homens e mulheres mal percebiam. Era o jeito que a moça tinha de olhar. O cheiro de biscoito e sujeira das crianças que saíam do liceu, o cheiro do ar quando vinha chuva que os passarinhos traziam na sua algazarra. 

Ele tinha aprendido uma maneira de fazer brotar a vida que ninguém mais percebia. Semeava algo entre um amanhecer e uma esperança. Que curioso era quando ia para a praça e as moças vinham, com ares de hipnotizadas, vê-lo!

Era tudo tão diferente, tão novo e encantador, para ciúme dos rapazes do lugar. Só que ele não se importava. Continuava sua vida errante, a cantar o mundo ao redor, e contar seu canto na forma de história, de palavra e de som.

Ah, ele aprendera com um cachorro gordo e branco o segredo de conhecer o cheiro de tudo que há por aí. Sabia cheiro de planta, de comida, de gente. E aprendeu a encher o som de cheiro. Sua poesia tinha mais que ritmo, tinha aromas...

E foi lá praqueles lados que ele pela primeira vez não soube usar palavras. Ele a viu, séria, dona de si, da ordem, feroz, altiva. Era a capitã do mato, a delegada, a juíza. O que ela tinha no jeito de falar ninguém sabe, mas o caos temia e se envergonhava perto da voz dela. Tudo emanava ordem, sobriedade. E tanto era o respeito que tinham por ela que nunca naquelas redondezas ninguém jamais fora preso!

E o cantador, calado, foi o primeiro a perceber que para além da fortaleza de mulher, lá na torre mais alta, vivia a princesa, com mãos delicadas, olhar terno, que o mais singelo sorriso aqueceria o coração mais embrutecido.

Os antigos dizem que aquela foi a primeira prisão, de verdade, daquela delegada. E nem era culpado o prisioneiro, mas era vítima. A moça-fortaleza mostrou àquele que era dentre todos os que andam por essa terra o que morava por detrás daqueles muros. E o encantador se viu encantado.

Dizem que a única prisão que é perpétua é aquela que não tem grades nem paredes. E foi justamente assim que a capitã do mato prendeu, com o jeito de olhar que ela tinha, o coração do cantador, e nunca mais o soltou.

Será que eles foram felizes para sempre?!?!