quinta-feira, 29 de novembro de 2007

O tratado geral das estranhezas do mundo

Este tratado é, para ser definido em uma palavra, audaz.

Há audácia até em seu título. Afinal, seria preciso toda uma vida, ou algumas, para que fosse um tratado legítimo.

Aliás, um tratado por si só é fruto da audácia de seu autor em trilhar o caminho mais longo possível.

Até porque o caminho mais curto nem sempre é o mais bonito ou mais divertido. Os caminhos curtos são perigosos; é preciso coragem para trilhar montanha acima, muito mais do que o circundá-la.

Ainda a audácia. Sempre a audácia. Eterna conquista, estranho sentimento quase que alheio à razão, frêmito que inflama o caráter e se espalha por quem estiver perto.

Foi audácia, a mesma audácia, que mostrou ao amauta o jardim das açucenas. É audácia o ímpeto de semear palavras mundo afora para fazer brotar Açucena.

Ser audaz é ato de amor.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

"É isto o homem?"

Outro dia, bem longe daqui, faz já uns meses, enforcaram um ex-chefe de Estado, um genocida. Mas enforcaram o homem, um velho, aspecto doentio e derrotado, num julgamento digno de fazer inveja aos tribunais do “santo” ofício. E fez-se circo da morte.

Nos pés do Himalaia matam pessoas que professam uma filosofia de paz e tolerância, em nome da ordem mantida sob a maior intolerância que existe: a intolerância de ouvir.

Mais perto, bem mais perto agora.

Não sei onde eles foram parar. Há algumas semanas estavam deitados lá, na portaria do prédio.

A degradação era tanta que não estavam apenas deitados. Estavam prostrados. A imundice que lhes cobria o corpo formava um véu que impedia que alguém pudesse ver a humanidade por detrás daqueles trapos.

E eram homens, mulheres, aqueles trapos.

Hoje não estão mais lá. Possivelmente ninguém se lembra deles, a não ser os que se incomodavam um pouco além do suportável e da indiferença.

Sub-homens, quase vermes. Pedem comida, restos, trocados, bazófias. Seus olhares conservam um brilho que nos remete apenas à agonia de quem clama por vida. A própria vida, a humanidade ou alguma coisa qualquer que possa se chamar de dignidade.

E nós displicente e indiferentemente os chamamos de mendigos.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Inexplicações

Primeiro havia o nada. E alguém disse, não sei dizer quem, que o nada não era bom. E fez-se tudo o que há, tantas coisas e tantas gentes, mas as gentes queriam ficar juntas.
Assim, quando as gentes viraram o nós, quisemos medir as distâncias. Sim, afinal, era o que desunia o nós. Sinceramente, acho que para saber com mais certeza o tamanho da nossa saudade.
Algum dia qualquer alguém inventou de medir o mundo. Criou-se o o tempo. E com o tempo, veio o fim. E aquilo que foi feito para medir, começou a devorar o mundo e o tudo.
Quem criou o tempo, criou o juízo final. Marcos que nos aproximam inevitavelmente do fim, do fim que nós mesmos criamos. E o nós virou o nada.
Foi por isso que nunca se semeou o tempo. Não é tempo que faz Açucena brotar.
Nem tristeza, nem silêncio...