segunda-feira, 13 de abril de 2009

Teogonia XIV

Da origem dos paradoxos da vida.


Talvez seja preciso mais de anos para compreender a origem das identidades em comum entre aquela humanidade louca, inumana, que circula pelos jardins do eu primordial. Quantos de mim, de nós, morreram nessa busca?

Os mártires matam a si mesmos, por conta de um sentimento, muitas vezes, pueril. Mas é só um Amauta capaz de dar amor ao amor, sede pela sede - nem mesmo um santo faz tal coisa!

Soa tão paradoxal... E por acaso há mais paradoxo aí do que nas outras coisas? Vejam os feios de bela voz, os escultores de mãos feias. O amor!!! Ah, sentimento ímpar, que só funciona se for em par.

Mas não houve mais paradoxo do que um homem, coberto de abandono, no meio de uma praça tão movimentada. As tantas pessoas que passavam não o viam. Ninguém o via. Quando cobrimos alguém de abandono, só vemos a indiferença. E que paradoxo cruel é quando vemos apenas o não ver.

Mas as rolinhas comiam migalhas ao redor dele. Uma estava na palma da sua mão. Não pude dizer se ela só comia, se ela queria ele para ninho, ou se até ela o via como migalha, como os que passavam na praça.

Ah, esses paradoxos podem doer tanto, mas não posso julgá-los. Não sou nenhum tipo de deus para julgar. Nem para perdoar.

Agora, há o paradoxo que nem mesmo toda Criação é capaz de explicar: por que eu gosto tanto do jeito que ela prende o cabelo?

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Pequeno exercício de tradução

O tempo é impaciente, é apressado.
Ouço o dobrar dos sinos de cobre da paixão,
e vejo maravilhosos olhos, teu queixo delicado!
Mas o tempo te levou para outra mão.*
(de Henrik Visnapuu. "Carpe diem")

*Aeg kärsik on, aeg otsa saab.
Oh kuulgem, löövad kire vasksed kellad,
Et nähkem, hiilg’vad silmad, palged hellad!
Tund tundi nelju taga a’ab.

domingo, 5 de abril de 2009

A volta do tormento do infinito

O esquecimento nunca mostrou seu rosto de forma tão pungente. Bastava olhar para os lados, para o alto, que não havia nada ao redor que não fosse cinza.

Não era um corredor. Era uma úlcera!

Monumento à aspereza. Pior nem era estar lá, era ver pobres jovens almas entrando ali, com seus sonhos pueris, seus anseios, desejos de mudança... vagando por aquele corredor. Acham que mudarão o mundo!

Mal sabem do sol a nós reservado, que ainda queimará sobre suas cabeças, cortante, como punhal. Todavia eles não se importam. Sorriem. Estão felizes. Como se não se importassem, ou não soubessem.

Ah, benditos sejam os inocentes e sua temeridade.

Delicioso e perigoso rumo que a inocência nos dá na vida, não? E foram tantos e tortuosos os caminhos, tantas voltas... e acabou ali, no corredor-barricada da realidade!

E quem poderia esperar que novamente lá esperando, eu o veria. Chegando exausto, faminto. Mas os olhos continuam tão vivos. O corredor pra ele naõ é barricada, nem "deixai toda esperança vós que entrais".

Não! Um dia o céu chega, ele sabe. Ou na forma de sorriso, na forma de gesto, de dança. Não importa. Para ele, corredor é espera. Espera pela doçura do dia do não-ter virar abraço. De dizer todos os nomes que ele pode dar para o ter. Sim, ter é tardar e candor.

Ele só não sabia que de tantos nomes que ele pode forjar, aquele serviria para céu.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

O acalanto e o desalento

Foram tantas, as tantas vezes que te fiz dormir nas minhas palavras... e, no entanto, talvez você nem mais alcance que já foi o meu maior encanto, minha mais terna pretensão. Por quais pomares colhes teus sonhos maduros? Você dormia nas minhas palavras!

Ah, teus enganos e equívocos, que do sono que eu fazia para te dar todas as noites, de todos os pensamentos vagos e não-vagos que me roubava, só me restam hoje noites em claro.

Nem encontro algum alento sequer, que me faça sair do desterro de ti.

Ainda assim escrevo. Escrevo para que teu sono possa ter onde recostar após teus cansaços mundanos. Curiosamente, apesar dos abismos da saudade de ti, do silêncio mutilante, escrevo. Mesmo diante de uma ausência tão agreste, como uma prece, escrevo.

Sem que saibas, te faço dormir, falando baixinho, semeando girassóis, como um menino, como um pássaro, como o próprio vento que te bate à janela.

Imprevisível e irresistivelmente, te escrevo. Livre de dores ou dissabores, de todas as circunstâncias e coerções, escrevo.

Quando te escrevo, sei que ainda está brotando nos meus jardins. Te canto, você me inventa. Veja, é mais intenso que o tempo, que o teu silêncio!

Será que até mesmo da tua loucura eu preciso?