segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Teogonia XII

Da origem do sentido dos reflexos

Fiquei dias sem me ver no espelho. Não pensem vocês, ao lerem, que foi uma tentativa de fuga. Não, não foi. Longe disso.

Queria compreender como seria a ausência do reflexo, daquilo que nos vemos e tomamos como a nossa realidade. Que falta faria o "eu primordial". Como seria estar, de fato, ausente de mim?

E pensava naquilo que nos dizem, que é o fim de tudo quando não nos reconhecemos mais diante do espelho. Será? E os cegos, como fazem?

Pois bem, dias sem me levantar e olhar dentro dos meus olhos. Que estranho soa. Evidentemente que, nesse tempo, houve situações em que, passando diante de alguma vitrine, alguma porta, via meu reflexo, mas em nenhum momento me chamou a atenção. Não me detive.

Depois de quase uma semana, olhei novamente no espelho. Será que me reencontraria? Veria outros de mim que ainda não conheço pelo nome?

O que vi? Novamente o "eu primordial". Novamente, o mesmo reflexo cotidiano e conhecido.

E foi quando voz incauta ressoou pelo jardim novamente.

Vês, meu caro? As aparências, o mundo sensível, se faz um dominador. Não és mais nada além daquilo que vês? Num espelho não haverão outros de nós. Espelhos não são diferentes do mundo ao redor, e somos só algo que reflete, tal como uma planta, um quadro. Nada além de um único e mesmo sentido...

e, poetinha, não haver mais reflexo nada significa. O que é um reflexo, além daquela mesma e enfadonha realidade à qual pertencemos. Algo que nem cabe definir; já estando tão e tantas vezes dito, pronto, emoldurado.

E voz incauta se calou, novamente. Sorri, por não ter sentido nem um pouco de saudade de mim! Seria uma infâmia sentir saudade de um reflexo! Além disso, como sentir falta de um, em meio a tantos outros de nós?

Não ter um reflexo não significou ausência de mim.

Um reflexo é apenas o sentido oposto da real ausência que se faz na vida de um Amauta. É não sonhar.

Porque o "eu onírico" não é o "eu primordial", mas é o mais essencial. O meu reflexo só pode fazer falta quando deixou de estar no olhar dela.

E há ausência, há saudade, quando não florescem mais Açucena. Nem girassóis.


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