terça-feira, 9 de outubro de 2007

Impressões para além das persianas da vida

Barulho infernal. É a cidade, bem ali, do outro lado da persiana. Uma mistura descomunal de sons e barulhos. E muita gente, sempre muita gente. E, no entanto, gente que nem parece gente. Parecem, de alguma forma, harmonicamente disformes.

Definir o ser humano para além das persianas é coisa densa, e o mais próximo disso que chego é numa criatura inviável, um amontoado de tensão, carne e desejo reprimido. Tudo parece, assim, tão cruel, frio, perturbador. Tudo que sai de dentro do ermo do olhar choca, espanta.

Para além das persianas, todo o mundo, toda a vida e a não-vida que me aguarda. Por sorte, o mundo para além das persianas não só age e reage. Essas impressões do mundo morrem quando existe a reação, a rebeldia. E o ser mais rebelde de todos, é, sem dúvida, o coração.

Sentir, e não ter impressões. O sentir é quando morrem as impressões do mundo, da vida, das pessoas.

E no meu mundo, no mundo que sinto, as impressões não crescem. Sentir nos ensina a tecer as amizades, os sabores. Ah, as amizades! O que seria de nós, o que seria do mundo, sem amigos?

Quis mesmo dedicar, se pudesse, esse texto a Jean Pierre Vernant, que foi quem um dia escreveu sobre tecer as amizades. Mas só pude mesmo dedicar àqueles que, sabendo, ou talvez nem sabendo, tornaram-se parte mais importante desse mundo que teci.

Viver nesse mundo além das persianas vale por viver junto daqueles que nos dão a mão e são a companhia para os caminhos tortuosos e íngremes, sentir por eles.

É para todos os meus amigos que escrevo hoje. São, todos, meu lar.

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