Foram mais de cinco anos.
Logo nas primeiras semanas do curso, lembro que ela começou a aula perguntando quem tinha lido o texto. Como poucos tinham lido, ela simplesmente falou que não poderia continuar se a turma não ajudasse, pegou as coisas e saiu. Todo mundo ficou estarrecido! Naquele dia eu aprendi que aquela professora era séria mesmo.
Eu nem fazia ideia do que era antropologia, mas aos poucos Clara foi mostrando o quão envolvente era aquele mundo. Era tudo tão bom e diferente, um mundo de mitos e ritos e formas.
Onde nascia respeito e
admiração, pela professora e antropóloga consagrada, ia crescendo também carinho e
amizade.
Essa é uma das coisas irrevogáveis da vida que a gente tem que aprender a lidar. O nosso destino de ferro...
Mas com o tempo a gente vai entrando aos poucos no mesmo rio em que Heráclito viu toda nossa loucura.
Clara também me ensinou que a memória, mesmo que inventada, nunca é perecível. As lembranças têm um “quê” de mágica.
Assim como o tempo, nossas memórias sobrevivem às nossas metáforas e aos mitos, mesmo quando a gente se vê diante da rigidez dessas regras onipotentes que impomos às formas e aos nossos sonhos, e que com elas vamos tramando e destramando a vida, e quando nos deparamos, não deu tempo de dizer aquelas frases que fazem diferença: "sabia que eu gosto tanto de você?" ou "como eu adoro o jeito que você tem de prender o cabelo" ou mesmo dizer, simplesmente, “adeus”.
Mesmo que se julgue o tempo, ele sempre será intransigente, ele vem. Ele virá, e nunca em vão.
Conheci Clara
em 2008, na minha primeira aula no curso de ciências sociais aqui da UERJ. Os
veteranos diziam que era pra estudar muito porque a professora que ia dar aula
de antropologia era exigente demais, que pegava pesado.
Logo nas primeiras semanas do curso, lembro que ela começou a aula perguntando quem tinha lido o texto. Como poucos tinham lido, ela simplesmente falou que não poderia continuar se a turma não ajudasse, pegou as coisas e saiu. Todo mundo ficou estarrecido! Naquele dia eu aprendi que aquela professora era séria mesmo.
Eu nem fazia ideia do que era antropologia, mas aos poucos Clara foi mostrando o quão envolvente era aquele mundo. Era tudo tão bom e diferente, um mundo de mitos e ritos e formas.
No ano seguinte, ela me chamou para
fazer parte do grupo de pesquisa que ela coordenava, como bolsista de iniciação
científica. Ela sabia que eu precisava trabalhar, e que não podia estar sempre
disponível, mas assim mesmo ela me aceitou, confiou em mim.
E com Clara fui aprendendo os caminhos da vida acadêmica - e aquela foi a única chance que eu tive. Cobrava bastante sim; a
gente passava um dobrado pra entregar as tarefas cumpridas. Mas aquela
oportunidade a gente tinha que fazer por merecer, e valeu todo sacrifício.
E desde então, todos os passos que dei
nesse início de trajetória acadêmica tive sempre a presença de Clara. Ela foi
professora, orientadora, colega de pesquisa e também uma amiga. Esse carinho, essa
confiança, eu já via na relação dela com os orientandos mais antigos, como a
Cláudia, a Vanessa, a Andreia, o Sérgio, e vi crescer aos poucos com a Bruna,
comigo.
Essa amizade que Clara tecia com os
alunos era que nem um labirinto, de tramas que não se desataram, nem vão se
desatar... Por nenhum deus. Nem pela usura dos dias.
E agora estamos todos aqui, falando de
memórias.
Memórias que são um privilégio, porque são essas as pequenas sabedorias, da
linhagem direta da família dos milagres cotidianos, e que não se perdem jamais.
Mas uma ausência... é tão elementar
quanto uma lembrança.
Já se passou mais de um mês daquele dia 19 que
nunca acabou, mas que está lá guardado, sob a integridade da noite.
Só fui me
dar conta disso depois, quando voltei aqui pra UERJ, e olhar os corredores do
nono andar vazios, que pareciam implicar comigo, insistentemente me dizendo que
ela nunca mais ia chegar lá na ponta do corredor.
Ali, só habitavam o silêncio e o vazio. E a única
coisa que se fazia ouvir era a realidade, falível, quase insuportável.
Por
que o que nos livra da angústia, do peso insustentável da finitude, da
falibilidade do real? Por que somos tão presos à vida, tal qual um jogador ao
seu tabuleiro, que entre os dias vai movendo as peças da vida feitas de tempo,
sonho e agonia? Como aqueles sinos dobram tanta agonia?
Essa é uma das coisas irrevogáveis da vida que a gente tem que aprender a lidar. O nosso destino de ferro...
Mas com o tempo a gente vai entrando aos poucos no mesmo rio em que Heráclito viu toda nossa loucura.
Clara também me ensinou que a memória, mesmo que inventada, nunca é perecível. As lembranças têm um “quê” de mágica.
Assim como o tempo, nossas memórias sobrevivem às nossas metáforas e aos mitos, mesmo quando a gente se vê diante da rigidez dessas regras onipotentes que impomos às formas e aos nossos sonhos, e que com elas vamos tramando e destramando a vida, e quando nos deparamos, não deu tempo de dizer aquelas frases que fazem diferença: "sabia que eu gosto tanto de você?" ou "como eu adoro o jeito que você tem de prender o cabelo" ou mesmo dizer, simplesmente, “adeus”.
Às vezes, por causa disso, penso que
esquecer é um dom nefasto, filho do ocaso, como se nossa matéria fosse composta apenas de tempo. E para esquecer, muitas vezes a gente prefere ter a
ilusão de nem saber que partimos.
Mesmo que se julgue o tempo, ele sempre será intransigente, ele vem. Ele virá, e nunca em vão.
Olhar para trás, para esses cinco anos é ver uma
trama elegante de coisas simples, delicadas e cuidadosas, impossíveis de se esquecer. Porque lembrar é como criar. É um ato de amor.
Ainda nos falta chão para erigir um novo
tempo, mas acredito que já temos um azul para o céu desse tempo, um punhado de
lembranças, uma saudade que cresce.
Essa saudade de você Clara é agora toda magia
que a gente tem.