Aconteceu há muitos anos, quando o mundo ainda se espantava com aquelas
imagens. Elas se moviam! Aqueles irmãos, endiabrados e luminosos, deram ao
mundo novos sentidos.
Vejam só que mágico: elas se moviam!
Naquela época, porém, esses novos sentidos do mundo não tinham cores
nem som.
E justamente era esse o trabalho da vó. Ela dava som para o mundo novo. Som!
O filho mais novo dela contava que, quando menino, levava para ela as
partituras, e ficava lá, quietinho, esperando a vó acabar. Sempre vou achar que
essa era a melhor tarefa a ser dada para uma criança.
A vó sabia decompor o silêncio! Ainda hoje eu acho que o segredo de
escrever é o mesmo que ela usava ao tocar o piano.
O tempo passou.
O piano da vó já não existia mais, ninguém sabia muito bem o seu
paradeiro.
A netinha daquele menino que sentava ao lado do piano ouvia encantada
aquelas histórias da vó. E ele inundava o mundo dela de imensidão, sonhos e
curiosidades.
Dizem que foi por causa desses sonhos tão bonitos, mais puros que uma
flor amarela e mais honrosos que qualquer medalha, que o piano não resistiu e
quis voltar.
Até hoje o piano feito de sonhos está lá, na casa daquela menina, cheio
de imenso, ressoando pela sala.
A menina não toca o piano; até mora longe dele. Mas quem a conhece consegue
perceber que o piano mágico da vó deu a ela um dom.
Se vocês olharem lá no fundo dos olhos esverdeados da menina, podem ver
num cantinho daquele brilho que quem não tem sonhos não tem nada nessa vida.
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