domingo, 8 de março de 2009

Teogonia XIII

Do nascimento da dúvida.

Açucena dançava pelo jardim, sozinha. Era assim que gostava de dançar. Também, poucos teriam coragem de fazer o convite.

Flor sincera que era, tinha os pés tão delicados, ágeis, que mal tocavam o chão. Quem a visse podia jurar que não tocavam o chão! Não foram meras mãos mortais que forjaram aqueles pés, era impossível.

Os que passavam pelo jardim diziam mesmo que ela fazia vento quando dançava, porque dançava com o sol.

Das tantas e tantas coisas que faltam no mundo, será que lhe falta um par? Amauta, comovido, se surpreendeu... só ela sente, por que será? Será que em seu mundo não haverão outras esquinas que não sejam sujas? Ah, se essas ruas afora fossem minhas, faria esquinas com cheiro de mate!

Nosso semeador de girassóis, de Açucena, de auroras, não compreendia. Ninguém podia! Onde estarão as mãos, divinas e ternas, que fizeram seus pés e seus movimentos?!?! Será que não se importam com aquela dança de solidão?

Deram-lhe pés tão doces como o mel, como o cheiro que as árvores têm quando chove, que não conseguem ouvir o clamor da dança.

Ou ouvem e, infames, não se importam? Se for, que minha boca seja um eterno estertor de ateísmos!

Mãos, pura potência, clamor... A menina que sabia dançar como o vento, com o sol, não conheceria os segredos de como semear?

Talvez não, mas ela brincava e coloria os ventos. Até o sol a queria para par! Será que ela sabe que eu já forjei um céu inteiro?

Amauta desvendou e semeou a primeira dúvida que faz sorrir...

Podia até brincar com as criaturas do vento. Os passarinhos ficavam ao redor dela. Até os insetos, mesmo os mais pequenos, vinham pousar sobre sua saia, tentando beijar seus pés, seus dedos...

Era o vento daquela dança que gosta de morar naquela esquina com cheiro de chá! E cheiro de chuva, de flor, de outono, de saudade...

O sol, encantado, apaixonado, foi cuidar dela. E não só aquecia sua pele, seu rosto, seus pés delicados. Só algo tão magnífico, desejo puro como um sol para ter toda a audácia de aquecer uma alma. E só pensará nela na hora de pedir para aprender a dançar.

Só mesmo um sol é capaz de amá-la... forjei e semeei céus, campinas, flores que amam o sol... mas eu não sei dançar!!! Será que ela me conduz?

E Amauta aprendeu que dúvida que faz rir também faz chorar.

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