quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Teogonia XVIII

De quando os caminhos foram semeados

Foi desses momentos, quando na vida a coisa aperta, fica tudo louco e chato e sem graça. E aquele menino, com cacoete de poeta, que passava aturdido e apressado, estava vestido com aquela roupa de ferro que os poetas vestem, preso às almas inquietas de suas próprias palavras.

Na verdade ele estava diante de si, de sua própria esfinge interior.

Essa esfinge colocava sobre ele seu olhar de ave de rapina, predadora de gentes e almas. A ela nada escapava, nem mesmo o esquecimento, nem a morte – e que morte pior que não ser esquecido?!

O fato é que sob os olhos de sua própria esfinge, o seu olhar se pôs diante do mundo como o silêncio cai sobre a noite. Esse silêncio não era nada perene ou sereno, mas atordoava e acuava.

Poetinha que via tudo, disse a ele que havia uma solução. Na verdade ele precisava de abraço, de alguém que por ele tivesse muito amor. Aliás, poetinha sabe que o amor vem daí, dessa vontade louca de se estar nos braços, mesmo quando nunca se esteve dentro desse abraço.

– E pode haver algo assim, poetinha? Existe “abraço em potencial”?

Poetinha então falou baixinho, sobre Certeza. Que nas palmas das mãos dela ele deixara cair tudo que ele tinha de bom. Seu açúcar, seu afeto, até mesmo aquelas gotas de melancolia que deixam a gente triste, meio calado, e que hoje ele não se sentia mais assim, porque nas mãos dela, de sua Certeza ele se sentia amado.

O menino ficou admirado de ver como os olhos de poetinha ficavam quando falava das mãos dela, e pensou que aquele deveria ser um amor que não cabia nem dentro das suas palavras de lira e de luar. Mas, irrequieto e curioso, mesmo diante de uma imagem tão bonita, pediu:

– Poetinha, não foge, sê linear, e o abraço?!?!

Ah, o abraço, o abraço... Poetinha sorriu, um tanto quanto enigmático. Perguntando ao menino se do abraço sentia saudade. O menino sabia que sim; poetinha também.

E poetinha então falou que ele compreenderia a existência de um abraço assim mesmo sem ter tido, sem ter sido abraçado, quando encontrasse o caminho que fizesse a saudade ir embora.

Um caminho assim só pode haver quando semeado. E aí falou, por fim, ao menino de olhar vivo e inquieto que ele precisaria encontrar sua Certeza, e que depois disso, até nesse mundo amargo, onde tudo é rígido e rude, o caminho semeado sempre seria largo e calmo e florido.

Dizem que nesse dia chovia, e depois disso pela chuva poetinha se apaixonou.

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