terça-feira, 8 de junho de 2010

Teogonia XXIV

De quando poetinha descobriu que Açucena começara a andar.

Não sei por qual motivo escrevo. Não é por louros, ou por louvores ou pelo gozo sem sentido de um lirismo egoísta qualquer.

Sou um semeador, não sei ser poeta. Só o fui poucas vezes, quando fui outro, que não enjaulado em mim. No mais, fui me criando e recriando, fugindo das masmorras do “Castelo do próprio eu”.

Ainda não sei por que escrevo.

Ela não precisou falar nada, ou de qualquer literatura. E já me toma e doma assim!

Por vezes ela passa por aqui, saindo da sala contígua a esta. É tão diferente das outras, parece ter mais vida dentro do canto do olho do que muitas não têm no corpo inteiro. Quando ela sai, tal como um segundo movimento de um concerto, deixa pra trás aquele rastro de melancolia.

Até o vazio sabe que ela fará falta. Ela já saiu...

Que instante perpétuo!

Sai e olha, com aquele mesmo cantinho de olho. Posso não ser poeta, mas vou morrer achando que aquele olhar é para mim. E será que ela me vê desse jeito tão absorto e rendido?

Ela anda como ressoa um poema provençal. Doce, despreocupado, quase indolente. E como não cair, num impulso de delírio, diante do jeito que ela tem de andar, arrastando os pés.

Saiu e ainda não voltou. Instante perpétuo que tem cheiro de saudade. Será?

Penso num punhado de estrelas e lá escondo o olhar dela que foi meu.

Voltou, andando devagar, sem saber que já anda pelos corredores das minhas intenções, mesmo sem o meu consentimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário